CORPO FECHADO – I

CORPO
FECHADO

pistoleiro CORPO FECHADO - I

Signum
Crucis.. In nómine Patris et Filii et Spíritus Sancii. Amen.                                            (Sinal da Cruz em
Latim)

Acostumado que estava de andar sempre a cavalo,
sentia-se meio desajeitado ao lado daquela linda mulher loura, naquele carro
novo, uma BMW preta, que comprara só para aplicar o dinheiro que vinha
recebendo.

Deu umas voltas pelas ruas, chamou a atenção de todos,
estava querendo mesmo se exibir, coisa que não fizera em toda a sua vida.

Queria enfrentar o Sistema, ser maior que o Chefe de
Estado.

O Governador estaria naquela pequena cidade para um
rápido discurso. O sistema de segurança era muito grande. Do palanque até a
igreja tinha uma batalhão de soldados e outros tantos disfarçados de civis.

No alto do principal prédio da praça três atiradores de
elite verificavam as ruas, bares, carros e tudo que girava em torno daquele
espaço delimitado pela passagem do político famoso e odiado.

Um rumor surgiu no meio dos homens da segurança: ele
está aqui na cidade. Os homens concentraram-se em torno da grande figura.

Prefeito recebendo palmas pelo grande feito de levar o
governador até aquele rincão.

Era sexta-feira da paixão, dia 2, um ar de
tragédia estava pairando sobre aquelas cabeças.

O povo em festa, nem prestava atenção aos fatos que já
começavam a desenrolar.

Um carro desceu mais rápido, um pneu estourou, os
homens entenderam que era um tiro, o sinal para começar o tiroteio.

A BMW, com o teto solar aberto, descia e contornava a
praça da igreja.
Um dos seguranças gritou:
— É ele! É ele!
Lá de cima do prédio três tiros foram ouvidos, cá em
baixo uma confusão foi estabelecida. Ninguém estava entendendo nada.

O Governador já estava no palanque falando das verbas
que liberara para aquele município. Um guarda pulara sobre ele e esconderam-se
por trás da mesa. E foi retirado em segurança, para outro local.

Do carro desceu Gemiro, o temido pistoleiro, subiu as
escadarias da igreja e caiu logo na entrada.

Algumas mulheres conhecendo a figura saíram em
disparada pela rua abaixo.
De bruços e com a mão direita fechada, sem nenhum
sangue derramado, serviu de curiosidade para muitos, que foram chegando de
mansinho.

O médico foi chamado e foi constatado: ele morrera de
ataque cardíaco.
Quanto ao seu carro sumira dali. Ninguém mais viu o
veículo.

Parecia coisa do outro mundo. Gemiro morto, corpo
estendido dentro da igreja.

Uma missa ia ser celebrada, agora com corpo presente. O
caixão, as flores e toda arrumação já estavam pagas há um mês.

Na igreja o sacristão verificou que havia trinta missas
pagas por uma única pessoa: Gemiro.

O corpo foi preparado ali mesmo na entrada e o caixão
colocado entre os bancos.

O povo começou a chegar e o Governador não pode
esperar, partiu para outros compromissos.

Mariazinha, muito devota, começou logo um terço que não
tinha fim.

Alguns passavam, olhavam, estremeciam e sentavam-se bem
longe.

A missa terminou e o velório continuou mesmo ali,
ninguém quis ou não teve coragem de removê-lo para outro lugar.

Na manhã seguinte o féretro iniciou-se, o cemitério era
ali por perto.

Estranhamente uma cova já estava aberta, encomendada
por um desconhecido, na noite anterior.

O Coveiro, antes de descer o corpo, quis saber o que
tinha na mão fechada: abriu-a e assustou-se.

Na sua mão direita, queimada pela pólvora, uma bala
disparada por qualquer um daqueles hábeis seguranças.

Manoel Amaral

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sonetose&blogspot.com.br

Morar no Brasil e especialmente em São Paulo ou Rio de Janeiro precisamos ter o corpo fechado, além de muito sorte.
Sei que este tema continua, vamos aguardar.
Belo texto.
Parabéns.
Grande abraço.
Almir.

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Manoel

Almir,
Obrigado por continuar a ler
os nossos contos & crônicas.
Tem continuação sim, esta é
uma técnica americana, onde
apresentamos o final primeiro.
Agora vamos para a vida de Gemiro.

Abraços
Manoel Amaral

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