OSVANDIR E A MULHER DE PRETO II
― Onde fica a Fazenda Carreiras? ― quis saber Osvandir.
O rapaz do hotel informou que é onde está localizada a Casa de Tiradentes, na Estrada Real. Ele achou tudo aquilo meio estranho.
Jantou pouco e tirou uma soneca. Acordou sobressaltado, olhou o relógio; era quase meia-noite. Vestiu a sua roupa preferida e foi até o local da festa.
Quando colocou o pé no primeiro degrau da casa noturna, o sino da matriz deu a primeira badalada e seguiu até as doze, aí ele viu em sua frente aquela adorável desconhecida, toda de preto e um lindo colar de pérolas no pescoço. O tecido de seu vestido parecia tão fino que ele tinha a impressão que ela voava.
Durante a festa ao aproximar-se de seu rosto para beijá-la ele notou uma corrente de ar frio, com se tivesse aberto a porta de uma geladeira.
Resolveu afastar-se e deixar o beijo para mais tarde.
― Vamos até a minha casa? Poderá ficar por lá, se desejar, ― disse a Mulher de Preto.
Osvandir não teve alternativa e seguiu os passos dela. Saíram da cidade, passaram pela casa de Tiradentes e logo a seguir entraram por uma estrada de terra, estreita e esburacada. Lá longe uma luz diferente, parecia de lampião.
Viu alguns homens indo para o trabalho, com grandes chapelões e calças de algodão grosso. Não resistindo à curiosidade perguntou:
― Onde vão estes trabalhadores, que mais parecem do século passado?
― São escravos do meu pai, vão para colheita de café. ― Escravos? Como assim? ― Aqui ainda tem escravos, você não sabia?
― Não! Mas e a Lei da Princesa Isabel?
― Saiu no mês passado, ainda não deu tempo de demitir todo mundo e alguns resolveram ficar por aqui mesmo…
― ????
Osvandir fez uma cara de espanto e resolveu encerrar o assunto por ali mesmo. Não estava entendendo mais nada.
Deixou a linda dama de preto na porta da fazenda, que parecia muito antiga, com aquelas janelas de madeira pintadas de azul e as paredes muito brancas.
Depois de andar por alguns minutos, parou o carro lá no alto e olhou para trás e tudo parecia ir desaparecendo, a luz de lampião apagou-se, as cercas do curral foram todas caindo, a casa foi ficando cada vez mais em estado de ruínas.
Sem entender nada ele correu para o hotel. Não conseguiu dormir nada, também já era dia e o sol nascera lindo por trás dos montes. No outro dia, muito curioso, Osvandir resolveu voltar ao local da fazenda.
O que viu foram apenas ruínas e próximo de uma árvore de gameleira, já de galhos secos; um pequeno cemitério cercado de pedras cobertas de musgo. Não entrou, mas do lado de fora mesmo pode notar que lá havia três túmulos em destaque: dois maiores com nome de um homem e outro de mulher, falecidos em 1890 e 1891, no centro, um menor, com uma estátua de anjo, já sem asas. O nome que conseguiu ler com muita dificuldade foi: Angelina da Cruz, tendo como data de nascimento 1865 e falecida em 1901.
O pior estava por acontecer! Quando chegou ao hotel, um pouco assustado, o porteiro veio logo com um novo bilhete.
― Olha aqui Osvandir, aquela mulher esteve aqui de novo e deixou este recado para o você. Tomei a liberdade de perguntar-lhe o nome e ela respondeu que era Angelina.
Osvandir quase caiu de costas. Encostou-se na parede, depois assentou-se. Pediu um copo d’água. Não estava parando em pé. Ficou por ali por um bom tempo até recuperar-se do grande susto.
Abriu o papel, que parecia mais velho ainda que o primeiro e leu:
“Osvandir, desculpe-me se te assustei. Esqueci o colar de pérolas no seu carro. Pode deixá-lo aos pés da Santa da Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Angelina”.
O mais estranho foi a data que encontrou no bilhete, logo após a assinatura: 18 de junho de 1888.
Manoel Amaral
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